Nem ciumes, nem dor, nem saudade, nem falta de ar. Nem alegria, nem euforia, nem felicidade, nem amor. Assim, sendo nada. Sendo um poço vazio e escuro. E quanto mais se cava, menos se acha. A boca até seca, diante de tanta poiera. Mas é só isso. É o que se ganha por tanto ser muito, ser inteira, intensa e entregue. Você vira nada.
E, dizem por aí, que depois do nada, sempre vem alguma coisa. Veio, sim. Na primeira vez que ele veio me buscar, minha vó se encantou, porque ele abriu a porta do carro. Na segunda, meu pai mandou eu tomar cuidado pra não me envolver. Na terceira, minha vó se apaixonou de vez, porque ele se lembrou de trazer chocolate do lugar onde foi passar um final de semana. Na quarta, eu mandei ele embora. Simples. Pra que tanto lenga-lenga?! Pra que deixar o coitado, tão lindo, ficar abrindo porta de carro e trazendo chocolate, se eu sou um poço seco, vazio, incapaz de dar água outra vez?! Pra que?! Pra que deixar a pobre da minha vó encantada por mais um garoto que passa pela minha vida, se ele não vai ficar?! Dramaaaaatica, meu pai disse. Mas só cego não via o medo estampado na testa dele, cada vez que eu avisava que fulano tava vindo me buscar. Eu via, nos olhos do meu pai, a cena se repetindo. Ele não merece a filha catatônica, dos ultimos meses, de novo. Não merece e não vai ter. Se alguém aqui tem que se sentir mal, que seja eu, sozinha. Meu pai pode achar sim, que tá tudo bem. Que eu tô amando o inglês, que eu adoro ficar quarenta minutos pedalando e mais uma hora levantando e abaixando ferro, naquela academia. Que essas saídas todas, não são só pra ficar bebada e não pensar e sim pra comemorar. Só quem precisa ver tudo com a crueldade da realidade sou eu. Esse foi o meu projeto. Ser normal por fora. E eu tô conseguindo. Mas ninguém pode me obrigar a ser como antes por dentro. Nem eu mesma conseguiria. Sem dor. Sem felicidade. Seca. Dura. Empalhada. Sem esperar nada. Sem querer nada. Um dia depois do outro. Uma hora, acaba.
Nenhum comentário:
Postar um comentário